Live no Facebook, promovida por Nancy Thame, reuniu oito mulheres negras para refletir sobre a data a partir da experiência que acumulam em diferentes segmentos.
Nancy explicou os motivos que a levaram a propor, logo no primeiro ano de seu mandato, a instituição do Dia Internacional da Mulher Negra, Latinoamericana e Caribenha no Legislativo piracicabano. “Na Câmara havia o Dia Internacional da Mulher, mas o calendário da ONU [Organização das Nações Unidas] trazia essa data específica e com reflexões ligadas ao tema.”
“O primeiro encontro ocorreu na República Dominicana, com discussões sobre diversos problemas enfrentados cotidianamente pela mulher, de onde nasceu uma rede que lutou pelo reconhecimento do dia 25 de julho, hoje celebrado em muitos países”, completou a vereadora, que manifestou apoio a mulheres negras no exercício de mandato legislativo.
Advogada pós-graduada em direitos humanos e idealizadora do projeto “Diálogos para Equidade”, Rebeca Nascimento salientou que o dia 25 de julho sintetiza uma “trajetória de resistência, luta, organização e sobrevivência e representa um marco de união para traçarmos o caminho para a conquista de políticas públicas”. Ela leu manifesto que afirma que, “enquanto houver racismo, não haverá democracia”. “Quando uma mulher negra se move, a sociedade toda se move”, acrescentou.
A historiadora e pedagoga Marilda Soares, chefe de gabinete de Nancy e integrante do Conepir (Conselho da Comunidade Negra de Piracicaba) e do Centro de Educação, Cultura e Política Negra, fez uma análise da formação da sociedade brasileira e reiterou a necessidade de dar visibilidade à discussão do papel da mulher negra, já que “preconceitos arraigados no início deste processo ainda estão presentes hoje”.
“Vivemos num país de um passado colonial, escravista e patriarcal, cuja mentalidade veio permeando todo o processo de formação histórico-social do Brasil e ainda está presente no povo e nos padrões que foram estabelecidos para as relações sociais, que são hierarquizadas e extremamente rígidas, colocando cada um de nós, do povo, em um lugar como se fosse estanque, como no sistema escravista.”
“Se todos tivessem as mesmas oportunidades, não haveria essa divisão social do trabalho, vinculada à divisão étnico-social e sexual que vemos hoje. Ainda carregamos essa mentalidade, que é muito racista e machista. É necessário reeducar a sociedade e redimensionar as relações sociais, pois a mulher negra sofre preconceito de gênero, étnico e também de classe, se pertence às classes mais baixas da população em poder aquisitivo”, completou Marilda.
Socióloga, pedagoga, funcionária pública federal aposentada e atualmente professora da rede municipal de ensino, Marilza Garcia disse que a discussão da cultura africana nas escolas, estimulada pela lei federal 10.639/2003, trouxe mudanças significativas ao processo de formação de crianças e adolescentes.
“Deixamos de conhecer só a Europa e conhecemos um pouco do continente africano. Fez com que alguns caminhos se abrissem, para que esse assunto fosse trabalhado com os alunos. Nós, professores, procuramos levar às crianças a noção de padrão de beleza e conseguimos transformar isso, que é uma questão de valores. É uma mudança de conceitos: a criança acaba acreditando que aquilo que passam a ela é uma coisa fechada, de que fora daquele padrão nada existe, e isso mexe na autoestima dos alunos”, disse Marilza, defendendo uma “sociedade que respeite mais as diferenças”.
A psicóloga Juliane Martins de Oliveira, que integra o Conepir e grupos de ativismo feminino, observou que, como reflexo do racismo estrutural, “a saúde mental da população negra é diferente da da população em geral, e isso não se aprende na faculdade”. “Atendi a vários casos de pessoas que dizem ‘Que bom que você me compreende que não é paranoia da minha cabeça’. O racismo deixa uma cicatriz muito profunda. Não é um sofrimento que acaba, mas que se convive com ele.”
Segunda-secretária do Conepir, Rossana Barbosa, que é graduada em recursos humanos, analisou a participação da mulher negra no mercado de trabalho e contou de sua atuação, junto a essa parcela da população, “para que ela possa enxergar que tem um potencial”. “É preciso trazer a elas a qualificação, fazerem entender que são mães, chefes de família, e que podem ser capacitadas e fazer parte de uma estatística melhor. Somos mulheres guerreiras e estamos aí para fazer a diferença junto com as demais.”
Thainana Esteves, técnica em administração e graduanda em economia, comparou números de 2007 a 2017 do Atlas da Violência, do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada). No período, enquanto o homícidio de mulheres em geral aumentou em 20,7%, o de negras saltou 60%. Além disso, o desemprego de mulheres negras foi o dobro do de homens brancos. “Esses dados mostram que é urgente a ampliação de medidas que tirem um pouco do peso que o racismo vem trazendo sobre essas mulheres, muitas vezes eliminando seus sonhos, sua perspectiva de futuro”, afirmou.
Elisete Santos, com atuação no setor de hospitalidade e em projetos sociais junto a comunidades, igrejas, associações e quilombolas, relatou que, em sua experiência no ramo de hotelaria, no qual é graduada, “poucas vezes” encontrou clientes negros, na contramão do número de casos de funcionárias negras assediadas nos quartos. Ela comparou a situação à realidade enfrentada por domésticas e apontou a necessidade de conscientizar essas trabalhadoras para o enfrentamento desse cenário. “A primeira coisa [a pensar] é ‘Eu preciso me fortalecer’ e a segunda é ‘Eu preciso permanecer nesse local’.”
Pesquisadora de danças africanas e afrobrasileiras, a educadora física Marcia Maria Antonio disse que a área objeto de seus estudos “ainda não é aceita e bem vista”. “Temos que provar que nossa dança tem estrutura, conhecimento, história e desenvolvimento e vem de oralidade rica e encantadora”, afirmou, ao citar que é preciso lutar contra forças que insistem em “calar nossa voz, nossa dança, nosso falar”.
Supervisão de Texto e Fotografia: Valéria Rodrigues – MTB 23.343