Muitos precisarão morrer para que os “governos” invertam as prioridades de ação?
É fato que para os “pobres” sobram os piores locais para viverem. Lembrando que moradia é um direito trazido pela Constituição Federal de 1988, em seu Art. 6º. E como sempre digo: “Ninguém mora mal porque quer”.
O que ocorreu recentemente em São Sebastião e o que vem ocorrendo em vários locais do mundo, porem em especial no nosso Pais, relativo ás mortes de famílias de baixa renda devido as ocupações de áreas para “moradias” é, no mínimo, uma situação lamentável.
Não é de hoje que a situação de moradia em áreas de risco no Brasil é muito grave. Em 2011, milhares de pessoas morreram em Petrópolis- RJ, devido a deslizamento de encostas, e de lá para cá, especialmente nos últimos anos, como vimos ocorrer também nos estados de Minas Gerais e Bahia, vários foram os acidentes desta natureza.
Negligencia? Falta de priorização? Necessidade? De quem? De quem ocupou? De quem permitiu a ocupação? De quem não propiciou moradia em locais no mínimo seguro? De falta de planejamento urbano?
O déficit habitacional no Brasil é da ordem de 6 milhões de unidades, conforme dados da Fundação João Pinheiro (2022).
O Governo Lula, em 2003, criou o Ministério das Cidades, onde estavam inseridas as Secretarias Nacional de Habitação, de Mobilidade, de Saneamento Básico, além da Secretaria Nacional de Programas Urbanos, esta última com o intuito de elaborar e implementar diversos programas e projetos, relativos a questões urbanas e fundiárias, como incentivo aos planos diretores participativos, aos programas de regularização fundiária, entre outros. Vários recursos foram destinados às cidades, em especial para políticas der saneamento e habitação.
Já nas gestões federais posteriores, em especial nos últimos quatro anos, houveram grandes retrocessos em programas e projetos ambientais e sociais, com a diminuição drástica em recursos financeiros para estas áreas. E conforme apontam os indicadores, o crescimento do desmatamento ilegal da Amazônia, o aumento da fome, a não realização de conferencias federais, o desmonte dos conselhos, como é o caso do CONAMA – Conselho Nacional do Meio Ambiente. Tais situações são transversais, perpassando senão todas, por quase todas as políticas públicas necessárias à melhoria da qualidade de vida em geral.
O Estatuto da Cidade, Lei Federal n. 10257/2001, que regulamenta o Capitulo da Política Urbana da CF-88, traz em seu conceito que as cidades sejam sustentáveis, democráticas e inclusivas.
Neste sentido, e cumprindo este conceito, as três esferas de governo, ou seja, a federal, estadual e municipal cada qual na sua responsabilidade, tem o dever de atuar através de legislações, planos, programas, recursos financeiros, ou seja, políticas públicas para as cidades.
Principalmente após a segunda metade dos anos 90 do século passado, devido aos processos intensos de industrialização e urbanização, com alteração do uso do solo, interferências no meio ambiente, como canalização de córregos, o desrespeito às APPs – Áreas de Preservação Permanente, emissão de gases, as ocorrências de fatores climáticos extremos vem se repetindo.
Nos municípios temos o instrumento do Plano Diretor, como a principal legislação que norteia o desenvolvimento a nível urbanístico, combinado com o orçamento, trazendo junto as legislações especificas como código de obras, parcelamento do solo, planos setoriais como de recursos hídricos, mudanças climáticas, habitação e outros. Outro organismo muito importante no desenvolvimento de cidade é a defesa civil, a qual deve, entre outros, trabalhar na prevenção de desastres naturais.
No ocorrido recentemente em São Sebastiao, é notório que a alteração do uso do solo pela ocupação humana se deu de maneira arbitrária, tanto pela especulação imobiliária, através de empreendimentos de alto padrão e turísticos, como para moradia da população de baixa renda. Mas deve-se pensar: será que se houvessem programas de moradia social, em local apropriado as pessoas se sujeitariam a morar no morro? E os empreendimentos turísticos, é fato que movimentam a economia, mas estão construídos com critérios de planejamento urbano e sustentabilidade? Será que não poderia se pensar numa contrapartida econômica para que os empreendimentos turísticos investissem tb em projetos habitacionais?
Voltamos a questão: quantos mais precisarão morrer para se pensar em políticas públicas sociais e ambientais? Com o triste acontecimento, vimos agora o envolvimento dos governantes, trazendo à tona, desapropriação de áreas para construção de conjuntos habitacionais, programa aluguel social, recursos para obras de defesa civil, entre outros.
Vindo para Piracicaba, embora não tenha encostas, deslizamentos de terra, possui um déficit habitacional de aproximadamente 10 mil unidades e cerca de 1500 famílias em fase de reintegração de posse.
Nós, vereadores do Mandato Coletivo: a cidade é sua, fizemos várias proposituras voltadas à habitação de interesse social como emendas para melhoria do Plano Local de HIS e nas peças orçamentárias, para desapropriação de áreas para construção de casas. Infelizmente fomos voto vencido, pela maioria dos vereadores (as). Inclusive no Plano Diretor do Município já constam alguns instrumentos como a Cota Solidariedade, além da previsão do Programa de Locação Social na Lei 6.246/2008, os qual também já questionamos através de indicação. Porém, recentemente conseguimos aprovar e derribar o veto total do Prefeito ao Projeto de Lei 226/2022, que estabelece critérios para que as reintegrações de posse ocorram de maneira mais humanizada, a fim de garantir os direitos das famílias em situação de vulnerabilidade social.
Esperamos que não sejam necessárias tragédias para que a moradia social seja vista como uma questão importante. E nós, sempre estaremos do lado dos que mais precisam.
Silvia Maria Morales é engenheira civil e mestre em urbanismo e habitação social, e vereadora do Mandato do Coletivo “A cidade é Sua!” do PV Piracicaba.