Em tempos difíceis, muitos povos e governantes enxergam realidades que, na verdade, sempre estiveram evidentes.
De forma emergencial, dependemos de outros países para aquisição de muitos produtos absolutamente simples, o que exige, num momento como este, uma corrida internacional para consegui-los, como luvas emáscaras. Deixamos acontecer, colocando uma nuvem de fumaça sobre os reais motivos que nos levam a produzir, em outros países, tantos produtos que já foram e que podem ser produzidos no nosso país.
Não é diferente quando pensamos na esfera municipal e em nossa segurança alimentar, pois o território em que vivemos reúne objetivos e propostas para a construção de mercados econômicos solidários, onde os produtos do dia-a-dia das nossas mesas podem ser produzidos no local.
A convergência entre novas tecnologias da informação, novas estruturas para o transporte de longa distância e mudanças nos marcos institucionais reguladores dos mercados nacionais e internacionais pavimentaram o caminho para que corporações transnacionais conquistassem, a partir da década de 1990, um poder sem precedentes sobre a configuração dos sistemas agro alimentares ao exercer crescente controle sobre os fluxos que vinculam a produção, a transformação, a distribuição e o consumo de alimentos. Entretanto, em paralelo, verifica-se o surgimento de movimentos criativos voltados à relocalização dos sistemas agro alimentares. Existem processos sociais emergentes que buscam reconstruir, diversificar ou revitalizar circuitos mercantis que promovem uma distribuição mais equânime da riqueza gerada na agricultura, a partir das interações estabelecidas diretamente entre produtores, distribuidores e consumidores e suas organizações locais.
As práticas de comercialização através da organização dos chamados circuitos curtos de comercialização que se manifestam em feiras, organização de grupos de consumo e de redes de comercialização solidária, indicam que esta é a estratégia capaz de contribuir para a consecução do direito a uma alimentação saudável, tanto para aqueles que a produzem como para a sociedade em geral. Além disso, pode significar maior equilíbrio econômico, pois envolve uma cadeia produtiva e o que se ganha no município acaba sendo gasto no próprio município
A cada ano, inovações em circuitos curtos criam diferentes formas de distribuição (cestas diversificadas; feiras noturnas de produtores; lojas virtuais por internet; vendas e degustação na propriedade; restaurantes com cardápios orgânicos; merenda escolar ecológica; acolhida na propriedade), o que demanda cada vez mais treinamento e informação qualificada para produtores e consumidores. Esse conjunto de características singulares pode ser a marca local que os consumidores procuram. Não se trata apenas de um ganho em escala (quantidade), mas em qualidade. Isso cria novas relações sociais e novos valores, promovendo o resgate da autonomia dos agricultores. Nesse sentido, as políticas públicas têm papel fundamental para formar e informar os consumidores menos esclarecidos. Esse olhar pode ser da população, mas, mais do que isto, é do gestor e de suas percepções e vontade de utilizar programas e políticas públicas, muitas das quais estão disponíveis e não são integralizadas e muito menos exploradas em seu potencial.
É possível adotar diferentes estratégias para tornar os cidadãos mais ativos, como a construção de formas alternativas de compra e troca; investimentos em educação do consumidor; campanhas de conscientização; entre outros.
As iniciativas bem sucedidas em circuitos curtos acontecem, normalmente, em locais onde se verifica a formação de uma rede com estreita parceria entre o poder público, entidades não governamentais, organizações de agricultores e consumidores.
Um bom exemplo de estímulo é o das políticas recentes de compras governamentais de produtos da agricultura familiar, que trouxeram oportunidades significativas para a garantia da viabilidade econômica de empreendimentos coletivos da agricultura familiar. A Lei n. 11.947/09, que instituiu o Programa Nacional da Alimentação Escolar (PNAE), especificamente em seu Artigo 14, incluiu um novo agente beneficiário do programa por meio da determinação de que: do total dos recursos financeiros repassados pelo FNDE, no âmbito do PNAE, no mínimo 30% (trinta por cento) deverão ser utilizados na aquisição de gêneros alimentícios diretamente da agricultura familiar. Poucos municípios exploram programas como este. Em Piracicaba, produzimos somente metade do que poderíamos vender ao programa, destacando que temos um dos maiores municípios do Estado de São Paulo.
Produzir de forma planejada e consistente o que consumimos, dá segurança, promove um dinamismo local e nos torna menos vulneráveis.
Fontes:
https://lacaf.paginas.ufsc.br/files/2013/09/Agriculturas_JUN-2013.pdf#page=8
https://www.ecodebate.com.br/2014/12/01/circuitos-curtos-de-comercializacao-beneficiam-produtores-e-consumidores/